Texto baseado em alguns escritos sobre a biografia do comandante francês.
Em 1769 nasceu em Ajácio, Córsega, atual Franca, no dia 15 de Agosto, o famoso general Napoleão Bonaparte. No dia 2 de Dezembro de 1804, Napoleão transformou-se no imperador dos franceses. Ali, perante os seus olhos, está toda a família Bonaparte, a mãe, os irmãos e as irmãs, os cunhados. Carlos Magno teve de ir a Roma para ser coroado imperador. Ele é suficientemente poderoso para exigir ao papa que se apresente em Paris. Pio VII suporta a humilhação e submete-se.
"Ah, se o nosso pai nos pudesse ver neste momento", diz Napoleão a seu irmão José. Com esta frase recorda o caminho percorrido nos últimos dez anos por si e por sua família: aquele conjunto de rostos morenos que, entre príncipes e embaixadores, marechais e altos dignitários, o fita da nave central. Que o seguiu desde a pequena Ajácio até esta catedral. Até à glória.
Em 1768, o estado genovês vendeu a Córsega à França. Em 1769 nasce Napoleão. Muitos conselheiros desaprovaram a compra a Luís XV. Se o rei lhes tivesse dado ouvidos, o que seria de Napoleão? E da França? Carlos Bonaparte, de origem italiana, é um notável da ilha. Vive modestamente com a sua família. Aos dezoito casara com Letícia Ramolino, filha de um funcionário do governo genovês. Quando os franceses tomam posse da ilha, o general Pasquale Paoli desencadeia a luta de resistência. Este líder corso irá ser o ídolo da juventude de Napoleão que, com nove anos, entrará na escola militar de Brienne. O pai viera para França como deputado pela Córsega e conseguira três bolsas para os filhos. Segundo Bainville, o carácter do jovem fortalece-se na escola de Brienne, "pois sofre a grande prova dos espíritos orgulhosos, ardentes e tímidos, ou seja, o contacto com estrangeiros hostis." Os seus camaradas alcunham-no de la-paille-au-nez, pois pronuncia o seu nome com acento corso, o que soa como "Napolioné". É uma criança triste, sensível, pouco amante das brincadeiras próprias da idade. Não é um aluno brilhante. Um dos seus professores define-o como "uma rocha de granito aquecida por um vulcão". Em 1785, passa um exame para entrar em artilharia. O examinador anota: "corso de caráter e de nascimento, este rapaz poderá ir longe se as circunstâncias lhe forem favoráveis". Nesse ano, morre Carlos Bonaparte com um cancro no estômago. Letícia fica sem recursos, com a família a seu cargo; mas Napoleão já só tem mais um exame antes de começar a receber soldo do exército. Dezasseis anos e passa a ser oficial. Não deslumbra o professor que o examina, o ilustre Laplace. Mas está contente consigo próprio. Do pequeno corso, que só falava o dialeto da sua ilha, ao oficial do exército real foi um grande passo. Em Valence, praça onde é colocado, lê poucos livros militares. Prefere literatura política, principalmente Rousseau. Nele procura argumentos para libertar a Córsega - o mito de Paoli continua a obcecá-lo. Consegue uma licença e vai passá-la à ilha, levando um baú cheio de livros: Tácito, Montaigne e Corneille, que recita de memória. Sonha escrever uma história da Córsega. O que mais deseja é vir a ser um homem de letras
1789 é o ano da Revolução Francesa. Há distúrbios por todo o país. Também na Borgonha, onde está colocado. Mas ali quem manda é o tenente Bonaparte. Repressão dura. Ameaça disparar. Não hesitará nem um segundo em cumprir a ameaça - prefere a injustiça à desordem. Detém os cabecilhas. Encerra-os num calabouço. Rebelião sufocada. No entanto, esta não é a sua revolução. Francês "de segunda", soldado do rei por ofício, o que lhe interessa é aproveitar a situação para libertar a Córsega. É espectador da Revolução. Solicita contínuas licenças para "ir a casa". Entre Setembro de 1789 e Junho de 1793 está quase sempre na ilha e intervém nos pequenos conflitos locais. O que provoca o seu afastamento do exército francês. Tem de mover influências para ser reincorporado. Também consegue ser promovido a capitão. Em 10 de Agosto, ao ver Luís XVI à janela com o barrete frígio na cabeça, grita: "Che coglione!". Se pudesse, teria aberto fogo contra esta "vil canalha". Aos vinte e quatro anos perdeu a fé nos ideais revolucionários defendidos pelos filósofos. De agora em diante irá chamar-lhes, depreciativamente, ideólogos. Desprezará definitivamente as teorias. Só uma coisa lhe interessa: a acção. A França mergulha na anarquia. Talvez a queda do rei favoreça a independência da Córsega. O colégio onde estuda a sua irmã Elisa fecha as portas. Bom pretexto para regressar levando a irmã para casa.
Em 1793, os exércitos franceses, tendo repelido a invasão, conquistam a Bélgica, a Sabóia e Nice. Pretendem agora anexar a Sardenha. Tropas francesas reforçadas com voluntários corsos. Eis uma boa oportunidade. Com muita habilidade, Napoleão consegue ser nomeado tenente-coronel e participa na expedição à frente da artilharia. Mas, entre os voluntários corsos, há gente de Paoli apostada em fazer fracassar o empreendimento. Os marinheiros amotinam-se, parte dos corsos rende-se. Bonaparte, raivoso, tem de retirar abandonando os canhões. No entanto se, por um lado, assina um protesto dos oficiais contra esta vergonhosa retirada, por outro manda uma carta muito amável e solidária ao cabecilha infiltrado por Paoli na expedição. Contudo, este cuidado não evita que na Córsega os Paoli declarem a vendetta contra os Bonaparte, acusados de serem aliados dos Franceses. Napoleão escreve a sua mãe: "Prepare-se para fugir, esse país não é para nós". Letícia consegue abandonar a casa pouco antes de ela ser destruída. A família refugia-se primeiro em Calvi, depois em Toulon e, finalmente, em Marselha. Passam por grandes problemas econômicos. Mas Letícia, ainda jovem e bonita, torna-se amante de um marselhês comerciante de tecidos. José irá casar-se com Marie-Julie, uma das filhas deste homem. Um dia será rainha de Espanha. Napoleão gostaria de ter casado com Désirée, a mais nova mas, segundo se conta, Clary, o pai, pensa que já basta um Bonaparte na família e o pretendente é apenas um capitão pobre e sem futuro. Assim impede Désirée de vir a ser imperatriz. Em todo o caso, ela irá se casar com Bernadotte, um ex-sargento, e virá a ser rainha da Suécia. Napoleão, que continua a sonhar com as letras, escreve Clisson et Eugénie, um romance em que relata a história dos seus amores com Désirée. Por ora, Napoleão, à falta de melhor, irá servir a Revolução em postos mais do que secundários. Como a sua carreira militar marca passo, refugia-se na escrita e escreve a mais aguda e sugestiva das suas obras - Souper de Beaucaire, um texto apologético da Convenção. A literatura faz o milagre: a obra agrada aos comissários da Convenção e o autor é nomeado comandante do batalhão que assedia Toulon, cidade sublevada e que pedira ajuda aos Ingleses. O exemplo frutifica, Lyon também já arvora a bandeira branca dos monárquicos. É preciso cortar o mal pela raiz. Napoleão dispõe as baterias de forma a poder lançar bombas incendiárias sobre os barcos sitiantes. Obriga-os a abandonar o porto. Dispara pessoalmente um dos canhões e fica ferido. É promovido a general de brigada por proposta de Salicetti e de Robespierre. A sua estrela começa a brilhar...
Em 1806, procura debilitar a resistência britânica. Decretara o bloqueio continental: encerramento de todos os portos do continente aos barcos ingleses. Portugal não aceita o bloqueio e o imperador, sob o pretexto de ocupar este país, invade a Espanha e coloca no trono o seu irmão José, até então rei de Nápoles. A resistência ibérica à ocupação napoleônica dá lugar à Guerra Peninsular. A Corte portuguesa desloca-se para o Brasil (1807). Facto que virá, 15 anos mais tarde, a motivar a independência brasileira. A Áustria não aceita também o bloqueio continental, mas os seus exércitos são mais uma vez vencidos em Wagram (1809). O imperador, que se divorcia de Josefina por esta não lhe dar descendência, casa com Maria Luísa, de dezoito anos, filha do imperador austríaco derrotado. Não foi uma decisão fácil. Napoleão ama verdadeiramente Josefina, apesar das suas "extravagâncias". Porém, convencida pela argumentação de Fouché e de seu filho Eugène, ela própria insiste nesse "sacrifício pessoal a favor dos interesses do Estado". Conserva o título de imperatriz, uma pensão de dois milhões e Malmaison.
Entretanto, a Rússia, prejudicada pelo bloqueio continental, decide romper o tratado de Tilsit e restabelece as relações comerciais com a Grã-Bretanha. Em 1812, para subjugar o czar, Napoleão reúne um exército de 675 000 homens, a Grand Armée, e invade a Rússia. Os Russos vão recuando, evitando combater e Bonaparte vê-se forçado a ir penetrando no interior do território. Após algumas batalhas não decisivas, o imperador encontra, em 7 de Setembro, o exército russo entrincheirado em Borodino. As perdas de ambos os lados são numerosas, o resultado da batalha não é claro, mas Napoleão pode vencer se utilizar as forças de reserva. Não se decide e os generais estão furiosos com este sintoma de fraqueza. A que se deve esta hesitação? Entre a Grand Armée e a França há um imenso território. E se, nas suas costas, a Alemanha e a Áustria se voltam contra ele? Por isso, dirige-se para Moscovo. À noite, a cidade "arde como uma tocha", pois os russos (ou os saqueadores franceses), incendiaram-na. Apesar disso, Napoleão, afirma que "Moscovo constitui uma excelente posição política" para negociar a paz. E enquanto espera, reorganiza a Comédie Française, através de um decreto assinado ali, entre as ruínas fumegantes de Moscovo. Escreve ao seu bom amigo, o czar Alexandre, não recebendo resposta. Oferece a paz ao general Kutuzov. É recusada. Agora só lhe resta retirar. As tropas francesas encontram-se isoladas nas estepes, acossadas por temperaturas inferiores a -30º C, e sem abastecimentos. Retirando em condições infra-humanas, apenas 18 000 sobreviventes chegam à Polônia.
O fracasso da campanha da Rússia incita os inimigos de Napoleão a aliar-se e a dar-lhe batalha. Em Leipzig, na chamada Batalha das Nações, em 1813, as tropas francesas são derrotadas pelos austro-russos. "Só o general Bonaparte pode agora salvar o imperador Napoleão", diz ele próprio. Mas engana-se. Pouco depois, 600 000 russos, alemães e ingleses invadem a França e, em Março de 1814, entram em Paris. Ao saber que José capitulou ante os generais inimigos, comenta "Que cobardia!", e acrescenta "Desde que eu não esteja, só fazem disparates." Abandonado pelos seus marechais, vê-se obrigado a abdicar e é desterrado para a ilha de Elba. A grande aventura parecia ter chegado ao fim.
Napoleão cai e Luís XVIII restaura a dinastia bourbónica. As dissensões surgidas no interior do país levam-no a regressar a França. No dia 20 de Março de 1815 entra triunfalmente em Paris. Confrontadas novamente com os exércitos aliados (Grã-Bretanha, Áustria e Prússia), são as forças napoleónicas definitivamente derrotadas em Waterloo pelo general Wellington, em 18 de Junho de 1815. O imperador entrega-se aos Ingleses e é por estes deportado para Santa Helena, uma pequena ilha perdida no Atlântico sul, "para lá de África", como dizem os seus carcereiros. Ali, sozinho com as suas reflexões, dirá: "O infortúnio também encerra glória e heroísmo. Se tivesse morrido no trono, com a auréola da onipotência, a minha história ficaria incompleta para muita gente. Hoje, mercê da desgraça, posso ser julgado por aquilo que realmente sou.".
Em 5 de Maio de 1821, com uma violenta tempestade assolando a ilha, Napoleão morre, segundo a opinião do médico que o assistiu, não de um cancro no estômago, como seu pai, mas de uma úlcera provocada por uma má dieta e, sobretudo, pela ansiedade. Um antigo companheiro de armas envolve-o no capote que usou na Batalha de Marengo.