Ameaça na midiatização dos evangélicos

domingo, 12 de maio de 2013 1 comentários

Há quem sabe 30 anos a realidade é que o grupo religioso conhecido de maneira geral como evangélicos não tinha espaço significativo nas mídias de massa em geral no Brasil. Salvo algum escândalo ou uma reportagem pautada principalmente na suposta ameaça que essa fatia de crentes poderia representar ao universo católico.

Mas o tempo mudou e os números mostraram um vertiginoso crescimento desse contingente entre a população brasileira. O IBGE
revelou em 2012, por meio do Censo Demográfico, que o número de evangélicos no País aumentou 61,45% em dez anos. Em 2000, cerca de 26,2 milhões se disseram evangélicos, ou 15,4% da população. Em 2010, eles passaram a ser 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros.
Os evangélicos cresceram, também, em sua influência política, social, educacional e midiática. É um processo absolutamente natural que um determinado grupo, ao ser mais expressivo numericamente, amplie sua capacidade de se fazer ouvir em diferentes campos do conhecimento humano. A própria economia brasileira sentiu a reação disso. Segundo reportagem publicada pela Folha de São Paulo em outubro de 2012, “o mercado imobiliário é outro que segue o galope demográfico dos evangélicos. Segundo dados do IBGE liberados em junho, eles saltaram de 15,4% da população em 2000 para 22,2% dez anos depois. Até 2020, prevê-se que serão 57 milhões. A entidade Sepal (Servindo aos Pastores e Líderes) estima que, a cada ano, surjam 10 mil novos templos. Hoje há cerca de 300 mil pelo país. Só a construção de dois megatemplos no Brás (zona leste de São Paulo), encomendados por igrejas rivais e previstos para 2013, deve absorver quase R$ 400 milhões”.
Mas e qual o impacto disso tudo na mídia brasileira? É enorme o impacto da pauta evangélica nas mídias convencionais como TV, rádio, jornais e revistas, além das redes sociais, blogs e sites. E não estou falando apenas do surgimento de novos canais de propriedade de igrejas ou do aparecimento de dezenas de portais e sites com viés evangélico. Nessa área também houve crescimento. Sim, há muito mais programas nas TVs abertas, fechadas, nos sites, nas redes sociais, enfim, os evangélicos definitivamente saíram do
ostracismo e estão em vários lugares e, de preferência, onde há mais visibilidade.
Na boca das mídias – Mas os evangélicos estão, sobretudo, na boca das mídias. O que fazem, o que deixam de fazer, suas opiniões polêmicas ou não se tornaram assunto diário de colunistas, especialistas, repórteres, pauteiros, sites conceituados. Há poucos dias li sobre dois líderes evangélicos que trocaram farpas por meio de uma rede social (Twitter) a respeito de um determinado tema. A discussão foi acalorada e, entre um tweet e outro, um pastor acusava, o outro revidava, depois vinha a réplica, enfim, parece que o bate-boca durou alguns dias. E teve repercussão entre milhares de pessoas. Sem falar na cobertura regular das declarações dos pastores-estrela, dos grandes eventos que reúnem milhares que professam alguma crença denominada evangélica, etc.
E com os evangélicos acontece o mesmo fenômeno que ocorre com outras temáticas abordadas pela mídia em geral. Quando algum veículo se propõe a falar sobre o assunto, os outros inevitavelmente despertam para a necessidade de também abordar ainda que seja sob outros prismas. E isso se fortalece com as redes sociais. O que diz respeito aos evangélicos vira tendência em Twitter, Facebook e outros lugares e vai parar na TV, no rádio, nos impressos. É o que o sociólogo francês Pierre Bourdieu já dizia, no livro Sobre a Televisão,quando falava do conceito de circulação circular da informação. Ou seja, a informação circula entre os veículos sempre em uma espécie de ciclo.
Ameaça conceitual – Essa midiatização dos evangélicos tem um aspecto positivo que é mostrar à sociedade de uma maneira mais
ampla e sem tanto estigma que esse grupo pensante e atuante existe e se constitui em uma força a ser considerada. Há ameaças, no entanto, que muitas vezes não são percebidas nem pelos evangélicos.
A primeira delas é para a própria opinião pública que é bombardeada com o conceito de que os evangélicos são apenas um grupo politicamente importante e que, portanto, uma de suas principais características é a de se firmar como ator importante no cenário. Mas isso tem a ver com a essência do próprio cristianismo no que diz respeito as suas origens?
Se você tomar os escritos dos quatro principais evangelistas bíblicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) e mesmo o relatório minucioso no livro de Atos (atribuído também a Lucas) a respeito da rotina da que alguns estudiosos de teologia chamam de igreja cristã primitiva perceberá algo interessante. Verá que o cristianismo, tal qual em seu início, tinha princípios bem claros de uma comunidade composta em sua maioria por crentes envolvidos profundamente com a missão eminentemente espiritual, solidariedade e despreocupados com pompa e visibilidade. Pelo contrário, o cristianismo primitivo foi objeto de intensa perseguição por parte dos antigos líderes hebreus e por parte do Império Romano antigo. Claro que os cristãos, à época, que não eram nem divididos entre católicos, evangélicos e qualquer outro grupo, somavam apenas milhares e não milhões como hoje.
Essa imagem do cristianismo foi drasticamente alterada ao longo dos séculos. E os evangélicos brasileiros, perante a mídia, são retratados majoritariamente como mais um grupo de poder no País. Diga-se de passagem que o mesmo ocorre com o catolicismo romano de uma maneira geral há muitos anos. Os evangélicos se tornaram interessantes e atraentes para quem produz a notícia, para quem vive da publicidade paga e para quem sobrevive com a difusão da polêmica alheia. Mas a essência do cristianismo, principalmente se a referência for o próprio livro sagrado da religião (a Bíblia), pouco dá as caras na mídia. Pouco se fala sobre o que creem os evangélicos e de que princípios norteiam suas vidas e muito pouco a respeito de algum aspecto missionário. A não ser que a crença seja digna de causar divergência e, por conseguinte, criar a espetacularização da informação.
E essa responsabilidade obviamente não é apenas das mídias ou do quem detém controle sobre a veiculação nos meios que mais ditam o direcionamento da opinião da maioria. É dos próprios evangélicos. Que tipos de pautas estão oferecendo consciente ou inconscientemente? Que imagem esperam transmitir às pessoas que os observam nas redes sociais ou na TV por assinatura? Será que todas as igrejas cristãs não católicas agem em bloco com esse mesmo viés?Não há nada contrário aos evangélicos estarem na mídia. Mas, por uma questão de fidelidade ao que originalmente se estabeleceu como as raízes do cristianismo (sobretudo tendo como fundamento os ensinamentos de Jesus Cristo), seria importante que o hoje denominado grupo dos evangélicos não seja visto apenas como mais um agrupamento em busca de poder a partir da midiatização.
Para mim, parece clara uma ameaça claramente decorrente da enorme exposição pública a que se submetem os líderes e os membros evangélicos nos últimos 4 ou 5 anos. Talvez não vivam mais apenas de escândalos na mídia, mas tampouco parecem deixar tão claro quem são em essência e qual a justificativa espiritual de sua existência. 

 
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