Revista Época, Semana de 20.08.2007.
Como seria o Rio de Janeiro sem o Cristo Redentor no alto do Corcovado? Essa é uma das imagens que vêm à cabeça de quem lê o mais recente e mais polêmico livro do biólogo britânico Richard Dawkins. Em DEUS, UM DELÍRIO (Companhia das Letras), o professor de Compreensão Pública da Ciência da Universidade de Oxford pergunta, da forma mais educada possível, se o mundo não estaria melhor sem as religiões. Ou mesmo sem fé nenhuma. Para responder, em um documentário feito para a televisão inglesa, Dawkins evoca a imagem de Nova York ainda com as torres do World Trade Center. Um brasileiro também consideraria que a inexistência da fé privaria o Rio de uma das maravilhas do mundo.
Deus, um Delírio foi o mais impactante de uma seqüência de livros pró-ateísmo lançados nos últimos meses. Faz parte de uma onda de manifestos publicados pelo filósofo Daniel Denett, pelo neurologista Sam Harris e até pelo crítico Christopher Hitchens, colunista de Época. O movimento dos novos céticos é uma reação ao que eles vêem como dois perigos ao mundo moderno e secular. O primeiro, a onda de ataques terroristas praticados por radicais islâmicos. O outro perigo seria o esforço de evangélicos americanos para ensinar o criacionismo, disfarçado de design inteligente, nas escolas. Este último é especialmente caro para Dawkins, que fez carreira popularizando o evolucionismo. Ele diz que ninguém tem o direito de influenciar seus filhos para seguir a própria fé. Ou qualquer religiosidade.
“Agradeço a meus pais por assumir que não se deve ensinar às crianças o que pensar, mas como pensar”, diz. Expostas a todas as evidências científicas, as crianças vão crescer e ter condições de decidir se a Bíblia é literalmente verdadeira ou se o movimento dos planetas influencia sua vida, afirma Dawkins.
Fazer barulho é a estratégia de Dawkins desde 1976, quando lançou O Gene Egoísta. Nele, afirma que tudo o que fazemos é movido pela lógica dos interesses de nossos genes. Os humanos, assim como os outros animais de reprodução sexuada, seriam apenas máquinas para garantir a sobrevivência dos melhores genes. Dawkins também desenvolveu uma teoria segundo a qual os seres vivos criam culturas, comportamentos, hábitos e manias que competem entre si e se multiplicam como os genes. Batizou-os de memes. Agora, para Dawkins, a religião é um meme nocivo aos humanos, como um vírus.
A discussão sobre a existência de seres sobrenaturais é tão antiga quanto a humanidade. O que Dawkins traz de novo é um raciocínio de lógica evolucionista para descartar a possibilidade de um ser supremo. “A hipótese de Deus é que existe uma inteligência sobrenatural que deliberadamente projetou e criou o universo e tudo dentro dele, inclusive nós”, escreve. Para ele, no entanto, qualquer inteligência criativa, complexa o bastante para projetar qualquer coisa, só surge como o produto final de um longo processo de evolução gradual. “Inteligências criativas, sendo fruto da evolução, necessariamente chegam mais tarde ao universo e, por isso, não podem ser responsáveis por projetá-lo".
Engraçado. Ser ateu é ser culto, inteligente, questionador, crítico e perspicaz na visão de muitos cientistas e ateus em geral. E ser religioso, na ótica destas pessoas, é ser limitado, iludido, sonhador e crente em fantasias e alegorias. Só que, para acreditar em certas teorias mirabolantes que tentam explicar o mundo sob a ótica atéia, é preciso ter muita fé ou algo equivalente. Concordo que as escolas não podem obrigar os alunos a aceitarem o criacionismo e nem o design inteligente, mas deixar de ensinar também é algo profundamente tendencioso. Eu não entendo por que, para tantas pessoas, é tão importante viver sem esperanças espirituais, sem um alento em relação a Deus. Tudo isso é raiva da vida?