ZAFENATE-PANÉIA, UM TAL SONHADOR

domingo, 21 de outubro de 2007


Por José Ricardo de Abreu, comunicólogo popular, acadêmico de pedagogia, afeito a artes em geral.

A presença daqueles homens o havia deixado completamente transtornado e aflito como nunca antes o havia visto e quando perguntei se poderia ajudá-lo, respondeu-me apenas que gostaria de ficar a sós com seus convidados. Pedi que todos os empregados se retirassem imediatamente e, enquanto aguardava na cozinha, não pude deixar de lembrar todas as lições que havia me ensinado ao longo daqueles anos.
Quando nos conhecemos no cárcere, ele tinha aproximadamente 30 anos e eu considerava um tanto audaciosos os sonhos daquele jovem hebreu exilado. Apesar disso, confesso que não demorei muito para aprender a admirar sua persistência e inabalável fidelidade ao seu Deus. No entanto, somente quando me vi livre daquela prisão é que fui forçado a reconhecer que ali estava um homem que realmente entendia da arte de sonhar.
Porém, os anos se passaram e a realidade fora das grades me fez esquecer da promessa que havia feito àquele jovem sonhador. Até que um dia fui encarregado de buscá-lo na prisão. Agora era minha vez de descrever-lhe o futuro, havia um importante enigma a ser decifrado e somente ele poderia desvendá-lo. Quando nos reencontramos naquela manhã, ele estava se barbeando. Enquanto a navalha acariciava-lhe o rosto sofrido, mas não menos esperançoso, me falava dos novos sonhos que acalentava e da maneira peculiar como Deus havia conduzido sua vida até ali.
O tempo, que é senhor de todos os sonhos, continuou sua cavalgada, entre vacas gordas e magras, e pude testemunhar cada devaneio daquele belo menino que vestia túnicas talares, se transformando em realidade. O que não poderia imaginar é que acabaria me tornando o mordomo escolhido por aquele que um dia também houvera sido um mordomo zeloso e fiel. Sinto-me orgulhoso por fazer parte da vida de um homem que, embora desde cedo tenha provado o cálice amargo da traição, da inveja, da conspiração e da injustiça, não alimente nenhum rancor ou desejo de vingança, diante daqueles que só lhe desejaram o mal. Alegro-me por servir a um senhor que tenha conservado seus valores morais, diante de tanta imoralidade e que, mesmo vivendo em meio a idolatria generalizada, tenha permanecido fiel aos seus princípios, aos seus propósitos e, acima de tudo, ao seu Deus.
Ainda viajava em meus pensamentos e lembranças , quando um grito que misturava dor, alegria e desabafo, rompeu por entre as paredes revestidas de ouro e atravessou os cômodos luxuosos daquela mansão. Por uma fresta da porta entreaberta, pude ver seu mais antigo sonho, acalentado desde a infância, se tornando realidade. E de repente, foi como se aquela sala acarpetada houvesse se transformado num imenso campo de cereais, e ali, diante de meus olhos perplexos, vi onze homens envergonhados e arrependidos, como se fossem feixes de trigo, se dobrando diante da firmeza moral de um homem que sempre acreditou em seus sonhos, sem deixar de acreditar em seu Deus.

*Baseado em Gênesis capítulos 37 a 45

3 comentários:

  1. Luiz_Gustavo disse...:

    hehe..o ricardo eh uma figura...

  1. Nilton disse...:

    Zafenate-Panéia, |O senhor dos sonhos| ótima releitura

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