Entrevista concedida à Agência Brasileira de Jornalismo do Unasp.
Por Wendel Lima.
No último dia 12/08, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma entrevista com um dos críticos mais ferozes da religião. O renomado cientista britânico Richard Dawkins, considerado em 2005 pela revista Prospect como o terceiro maior intelectual da atualidade, soma em seu currículo prestígio acadêmico com o editorial. É professor de Compreensão Pública da Ciência na centenária universidade de Oxford e autor de vários best-sellers, como o último traduzido para o português: Deus, um delírio. Dawkins parece ter deixado a argumentação puramente científica há algum tempo, e ter escorregado para o campo da subjetividade da sua visão de mundo. Talvez seu sucesso midiático seja melhor explicado pela credibilidade dos seus títulos, do que pela originalidade de suas críticas. Os ataques que ele desfere contra a fé não são originais. Ressuscitam vários temas recorrentes, como uma explicação para o sofrimento humano, o histórico alienador e intolerante de algumas religiões, além da impossibilidade de se “provar” o sobrenatural. Para responder aos questionamentos de Dawkins, ouvimos um acadêmico que também é religioso. O professor Adolfo Semo Suárez, boliviano de nascimento, mas brasileiro por opção, está concluindo o seu doutorado em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Ele também é graduado em pedagogia e teologia e atualmente é professor de ensino religioso para os cursos do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Nessa entrevista, Suárez fala sobre as grandes contribuições do cristianismo para a humanidade, procura responder às principais críticas feitas à fé cristã e mostra porque religião e razão não são excludentes.
1) Em suas respostas, Dawkins dá a entender que vê a fé como diametralmente oposta à razão. Ele diz que sua aversão à religião está baseada em evidências, ao contrário dos religiosos que se fundamentam apenas num livro sagrado. Fé e razão são excludentes?
Alguns leigos e teólogos afirmam que a fé não depende em absoluto da razão. Eles seguem nisso a famosa pergunta de Tertuliano: “Que tem Atenas a ver com Jerusalém?”. Esta dicotomia revela certa confusão. “Atenas” representa aqui a filosofia humana especulativa, em que se acha ausente ou se nega a possibilidade de uma revelação especial de Deus (tal como apresentada na Bíblia). Todavia, se a filosofia adotada tem espaço para a revelação especial, então não vejo nenhum problema na aceitação do binômio fé e razão.
Mas, o que é a razão? A razão é a atividade mental empregada na busca da verdade, e nenhum sistema filosófico se recusa a valer-se dela. O homem pode pensar sem fazer uso da razão, e os que afirmam que esta não desempenha um papel destacado na fé religiosa, mostram ser muito ingênuos. Aqueles que discordam da importância da razão para as coisas espirituais e religiosas, se esquecem que o seu próprio poder de argumentação só é possível porque usam a razão.
Podemos então afirmar sem medo que a fé está baseada necessariamente no intelecto. A maior parte das pessoas não crê em uma coisa a menos que tenha sentido. E como buscam a verdade na religião, esperam que lhe seja explicada de forma inteligente e clara. Apesar de a fé incluir a aceitação de declarações proposicionais que não podem ser “demonstradas” pela razão ou empiricamente, também inclui decidir e agir segundo ditas proposições intelectuais. Afinal, a religião é mais do que uma atividade para alcançar paz de mente, um propósito de vida e felicidade. Certamente obtemos tudo isso, mas há algo mais. Nós cremos que a verdadeira religião deve estar arraigada à realidade, que ela deve fazer afirmações verdadeiras sobre a realidade. Daí que a fé precisa estar ligada à razão a fim de alcançar a vida como um todo.
Por sua vez, a razão e o conhecimento científico têm suas limitações metodológicas e conceituais. Os grandes temas da existência humana não obtêm resposta apropriada por parte do puro racionalismo e conhecimento científico. Pois ainda que o conhecimento científico seja o mais cultuado e valorizado na atualidade, não trata, apropriadamente, das questões que mais inquietam as pessoas: sua origem e destino.
2) O professor de Oxford não acredita que a crença religiosa seja uma necessidade natural e indispensável ao ser humano. Apesar de todas as culturas apresentarem alguma manifestação religiosa, das mais remotas às mais desenvolvidas, ele vê a religião como um elemento de contribuição para o processo de evolução da humanidade, que aos poucos será abandonado. O senhor concorda?
Se alguém parte do pressuposto que a crença religiosa é dispensável, todo seu arcabouço ideológico será pautado por esse pensamento. Todavia, a própria cultura humana contraria esse argumento. É curioso notar, por exemplo, que mesmo numa época de tanto racionalismo, as pessoas não abandonam suas crenças religiosas. O historiador britânico Philip Jenkins aponta que nas próximas décadas teremos uma sociedade cada vez mais cristianizada nos moldes “tradicionais” e “conservadores”.
Fiodor Dostoievski afirmava, com propriedade, que uma grande prova de nossa carência de Deus reside no fato de que, mesmo com tantas tragédias e questionamentos, a humanidade nunca pára de manifestar uma busca pelo divino. Portanto, o abandono da religião é contrariado pelas pesquisas e pela cultura em geral. Uma prova disso é que até os que “não crêem” manifestam crença em algo “além da razão”. Como diz o cientista da religião Jung Mo Sung, quando seres humanos propõem um sentido da vida que vai além da vida mesma, eles estão, na verdade, criando ídolos – criações humanas elevadas à categoria de absoluto.
Além disso, o psicólogo Victor Frankl entendia que a busca de um sentido para a vida e todo o vazio interior que vez por outra nós sentimos são, nada menos, que o reflexo de uma carência de Deus, que manifestamos em atos cotidianos. E percebe-se que essa carência tem aumentado no decorrer da história. Ainda, por ironia, vemos comunidades daqueles que não crêem, numa espécie de “religião dos sem religião”.
3) Talvez por ironia, o cristianismo produziu seus maiores críticos. Vemos por exemplo, que Nietzche, Marx e Freud vieram de famílias religiosas. O que explica essa aversão e, no caso de alguns, até ativismo contra a fé?
Isso mostra que existe a religião saudável e a religião alienante. Não vamos também afirmar com ingenuidade que todas as propostas e crenças religiosas são boas, porque isso não é verdade. Quanto aos maiores críticos da religião terem sido um dia “religiosos”, posso afirmar que essa mudança pode ser resultado de traumas criados por uma crença religiosa alienante e repressiva, ou “geradora” de conflitos pessoais.
No caso de Freud, seus conflitos familiares – analisados profundamente por Ana-María Rizutto em sua obra Por que Freud rejeitou Deus? – quase como que o “empurraram” a uma vida de descrença: sua negação da figura frágil de seu pai, sua experiência de abandono por parte de sua babá, numa fase importante da vida dele, etc. Vemos, então, que o desapontamento ou a desilusão realmente pode produzir críticos ferrenhos, e isso não vale apenas para a religião.
4) A negação da existência de Deus (ateísmo) e a atitude de incerteza diante da existência de uma divindade (agnosticismo), também não seriam formas de crença religiosa?
Não creio que seja necessariamente uma forma de “crença religiosa” nos moldes do cristianismo. Mas, no mínimo, é uma maneira de entender que a preocupação com o Transcendente não conhece fronteiras ideológicas. É mais ou menos nessa linha que trabalham Umberto Eco e Carlo Maria Martino em sua obra Em que crêem os que não crêem?. O livro A espiritualidade para céticos, do filósofo Roberto Solomon, também aponta indícios da necessidade da “Verdade cósmica” para qualquer pessoa, incluindo ateus e céticos. Outras publicações recentes, como A linguagem de Deus (Dr. Francis Collins) e A religião do cérebro (Dr. Raul Marino Jr.) mostram igualmente que a compressão da fé e a “certeza” do Transcendente estão presentes na vida de milhares de cientistas sérios. Esses pesquisadores negaram Deus durante grande parte de sua vida, mas tiveram que reconhecer que a vida só é completa quando vivemos de maneira total, holística, o que significa dar o espaço devido às crenças religiosas.
1) Em suas respostas, Dawkins dá a entender que vê a fé como diametralmente oposta à razão. Ele diz que sua aversão à religião está baseada em evidências, ao contrário dos religiosos que se fundamentam apenas num livro sagrado. Fé e razão são excludentes?
Alguns leigos e teólogos afirmam que a fé não depende em absoluto da razão. Eles seguem nisso a famosa pergunta de Tertuliano: “Que tem Atenas a ver com Jerusalém?”. Esta dicotomia revela certa confusão. “Atenas” representa aqui a filosofia humana especulativa, em que se acha ausente ou se nega a possibilidade de uma revelação especial de Deus (tal como apresentada na Bíblia). Todavia, se a filosofia adotada tem espaço para a revelação especial, então não vejo nenhum problema na aceitação do binômio fé e razão.
Mas, o que é a razão? A razão é a atividade mental empregada na busca da verdade, e nenhum sistema filosófico se recusa a valer-se dela. O homem pode pensar sem fazer uso da razão, e os que afirmam que esta não desempenha um papel destacado na fé religiosa, mostram ser muito ingênuos. Aqueles que discordam da importância da razão para as coisas espirituais e religiosas, se esquecem que o seu próprio poder de argumentação só é possível porque usam a razão.
Podemos então afirmar sem medo que a fé está baseada necessariamente no intelecto. A maior parte das pessoas não crê em uma coisa a menos que tenha sentido. E como buscam a verdade na religião, esperam que lhe seja explicada de forma inteligente e clara. Apesar de a fé incluir a aceitação de declarações proposicionais que não podem ser “demonstradas” pela razão ou empiricamente, também inclui decidir e agir segundo ditas proposições intelectuais. Afinal, a religião é mais do que uma atividade para alcançar paz de mente, um propósito de vida e felicidade. Certamente obtemos tudo isso, mas há algo mais. Nós cremos que a verdadeira religião deve estar arraigada à realidade, que ela deve fazer afirmações verdadeiras sobre a realidade. Daí que a fé precisa estar ligada à razão a fim de alcançar a vida como um todo.
Por sua vez, a razão e o conhecimento científico têm suas limitações metodológicas e conceituais. Os grandes temas da existência humana não obtêm resposta apropriada por parte do puro racionalismo e conhecimento científico. Pois ainda que o conhecimento científico seja o mais cultuado e valorizado na atualidade, não trata, apropriadamente, das questões que mais inquietam as pessoas: sua origem e destino.
2) O professor de Oxford não acredita que a crença religiosa seja uma necessidade natural e indispensável ao ser humano. Apesar de todas as culturas apresentarem alguma manifestação religiosa, das mais remotas às mais desenvolvidas, ele vê a religião como um elemento de contribuição para o processo de evolução da humanidade, que aos poucos será abandonado. O senhor concorda?
Se alguém parte do pressuposto que a crença religiosa é dispensável, todo seu arcabouço ideológico será pautado por esse pensamento. Todavia, a própria cultura humana contraria esse argumento. É curioso notar, por exemplo, que mesmo numa época de tanto racionalismo, as pessoas não abandonam suas crenças religiosas. O historiador britânico Philip Jenkins aponta que nas próximas décadas teremos uma sociedade cada vez mais cristianizada nos moldes “tradicionais” e “conservadores”.
Fiodor Dostoievski afirmava, com propriedade, que uma grande prova de nossa carência de Deus reside no fato de que, mesmo com tantas tragédias e questionamentos, a humanidade nunca pára de manifestar uma busca pelo divino. Portanto, o abandono da religião é contrariado pelas pesquisas e pela cultura em geral. Uma prova disso é que até os que “não crêem” manifestam crença em algo “além da razão”. Como diz o cientista da religião Jung Mo Sung, quando seres humanos propõem um sentido da vida que vai além da vida mesma, eles estão, na verdade, criando ídolos – criações humanas elevadas à categoria de absoluto.
Além disso, o psicólogo Victor Frankl entendia que a busca de um sentido para a vida e todo o vazio interior que vez por outra nós sentimos são, nada menos, que o reflexo de uma carência de Deus, que manifestamos em atos cotidianos. E percebe-se que essa carência tem aumentado no decorrer da história. Ainda, por ironia, vemos comunidades daqueles que não crêem, numa espécie de “religião dos sem religião”.
3) Talvez por ironia, o cristianismo produziu seus maiores críticos. Vemos por exemplo, que Nietzche, Marx e Freud vieram de famílias religiosas. O que explica essa aversão e, no caso de alguns, até ativismo contra a fé?
Isso mostra que existe a religião saudável e a religião alienante. Não vamos também afirmar com ingenuidade que todas as propostas e crenças religiosas são boas, porque isso não é verdade. Quanto aos maiores críticos da religião terem sido um dia “religiosos”, posso afirmar que essa mudança pode ser resultado de traumas criados por uma crença religiosa alienante e repressiva, ou “geradora” de conflitos pessoais.
No caso de Freud, seus conflitos familiares – analisados profundamente por Ana-María Rizutto em sua obra Por que Freud rejeitou Deus? – quase como que o “empurraram” a uma vida de descrença: sua negação da figura frágil de seu pai, sua experiência de abandono por parte de sua babá, numa fase importante da vida dele, etc. Vemos, então, que o desapontamento ou a desilusão realmente pode produzir críticos ferrenhos, e isso não vale apenas para a religião.
4) A negação da existência de Deus (ateísmo) e a atitude de incerteza diante da existência de uma divindade (agnosticismo), também não seriam formas de crença religiosa?
Não creio que seja necessariamente uma forma de “crença religiosa” nos moldes do cristianismo. Mas, no mínimo, é uma maneira de entender que a preocupação com o Transcendente não conhece fronteiras ideológicas. É mais ou menos nessa linha que trabalham Umberto Eco e Carlo Maria Martino em sua obra Em que crêem os que não crêem?. O livro A espiritualidade para céticos, do filósofo Roberto Solomon, também aponta indícios da necessidade da “Verdade cósmica” para qualquer pessoa, incluindo ateus e céticos. Outras publicações recentes, como A linguagem de Deus (Dr. Francis Collins) e A religião do cérebro (Dr. Raul Marino Jr.) mostram igualmente que a compressão da fé e a “certeza” do Transcendente estão presentes na vida de milhares de cientistas sérios. Esses pesquisadores negaram Deus durante grande parte de sua vida, mas tiveram que reconhecer que a vida só é completa quando vivemos de maneira total, holística, o que significa dar o espaço devido às crenças religiosas.
A entrevista completa pode ser acessada na coluna "Arqueologia e Ciência", publicada no site Paraná On Line - http://www.paranaonline.com.br/. Basta se cadastrar para ter acesso ao conteúdo.
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