VOZES ANACRÔNICAS

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Felipe Lemos

Dizem que o programa A Voz do Brasil, da Radiobrás, deve sair do ar porque é anacrônico. Que é resquício do tempo em que o poder governamental impunha sua propaganda ideológica à sociedade, sem permitir a réplica popular. Que atrapalha a programação das emissoras de rádio do Brasil inteiro e que o Governo é inflexível quanto à sua veiculação.
Concordo em parte com isso. Aliás, sou ouvinte da Voz do Brasil. Sim, sou ouvinte nem que seja para ter subsídios para criticar determinados atos governamentais, do Congresso Nacional ou do Judiciário. Nem que seja para concordar com algumas iniciativas. Nem que seja para saber o que os representantes legalmente eleitos por mim, e por todos vocês, estão fazendo ou deixando de fazer.

Mas a voz do Brasil está anacrônica realmente. Sim, a voz nas ruas, nas empresas, nas escolas, nas igrejas, nos bares, no meio rural, na zona urbana, nas mansões e nas choupanas. A voz do Brasil é a sua e a minha voz. Não é proselitismo em favor do Governo, nem poesia nacionalista. Nós formamos a voz do Brasil através de nossos atos, nossas preocupações, nossos desejos e nossas ambições. E essa voz está rouca de tão velha, antiquada, defasada, antiga, ultrapassada. Sim, porque continuo ouvindo a voz dos reclamam da desonestidade dos prefeitos de sua cidade, mas que assim que podem dão um jeito de "passar a perna" no colega de trabalho, no parente, no vizinho, de dizer que não estão devendo aquilo que todos sabem. De pegar o que não é seu.
Ou então consigo escutar a voz cansativa dos que clamam por ações sociais efetivas do poder público (e estão certos), mas nunca pensaram em realizar nada que pudesse diminuir a fome, a miséria e o analfabetismo das pessoas ao seu redor. Sim, dos moradores do bairro ao lado do seu. De quem reside perto da sua casa nos barracos que você finge não enxergar, quando passa a mais de 100 quilômetros por hora na rodovia. Essa voz também está anacrônica.
Dá para ouvir, também, incessante, como se fosse o enfadonho grasnar de uma ave, a voz de muitos que se queixam da falta de igualdade, mas tratam a todos de maneira diferente. Clamam por direitos iguais, mas são promotores da exclusão, da discriminação e do preconceito. Outra voz anacrônica, obsoleta, retrógrada, extemporânea.
É por isso que eu continuarei ouvindo o programa A Voz do Brasil nem que seja para me animar com a possibilidade de fazer algo diferente de tudo ou de parte do que ouço. Nem que seja para descobrir que minha voz pode ser importante para determinada situação ou grupo. Nem que seja para não ouvir as outras vozes anacrônicas que insistem em desafinar e prejudicar meu aparelho auditivo.

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