Revista IstoÉ, Semana de 19.11.2007.
Não fosse pelo nome – Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) –, a fachada da instituição de ensino, localizada em São Paulo, não seria motivo de estranheza. Do lado de dentro da portaria de entrada, o pátio arborizado, a biblioteca com três mil volumes e a lanchonete com café expresso – e do bom – também não fogem do padrão tradicional. É nas salas, porém, que a coisa começa a ganhar outros ares. Os cerca de 150 alunos assistem às aulas descalços – sapatos, tênis, mocassins e sandálias ficam enfileirados do lado de fora da porta. Entrar lá é como pisar em um terreiro, o ambiente sagrado da umbanda, a primeira religião surgida no Brasil, há 99 anos. Perto do quadro negro, um incenso queima enquanto o professor, de túnica, ensina ao lado de um atabaque encostado na parede. Há ainda, entre os corredores da faculdade, três altares e uma imagem de um caboclo, a entidade mais representativa da religião.
É desta faculdade que, no final do ano, sairão os primeiros cinqüenta teólogos umbandistas do País. O curso, com duração de quatro anos, é autorizado pelo Ministério da Educação (MEC) desde 2003. E a FTU, a única entre as 21 faculdades de teologia credenciadas pelo órgão federal fora da tradição judaico-cristã. Com caderno sobre a carteira e caneta em mãos, os alunos aprendem tudo sobre o processo ritualístico da religião, tanto no aspecto prático quanto no simbólico. Tocam agogô – a faculdade tem um acervo de quatro mil discos de músicas de umbanda, candomblé, capoeira e outras práticas – e preparam ervas para defumação, mas não só isso.
Há aulas de filosofia, antropologia, arte, lógica, entre outras disciplinas. Ou seja, a grade curricular da FTU não visa à formação de pais e mães-de-santo, apesar de capacitar os universitários também para a função. Isso fica claro no vestibular, que segue o padrão de universidades tradicionais. Existem questões de conhecimento geral, matemática, química e física. E não há perguntas específicas sobre orixás ou entidades da religião. O MEC, para conceder a licença à FTU, avaliou a proposta pedagógica, as instalações e o currículo dos professores. “Não queremos que o profissional viva da umbanda, mas para a umbanda”, conta Roger Soares, um neurologista do Hospital Beneficência Portuguesa, mestre em educação pela USP e professor da FTU. “Queremos formar gente para aprender a umbanda, juntar os conhecimentos que estão dispersos e divulgá-la.”
É com esse intuito que Maurício Caldeira, formado em ciências contábeis, freqüentava a aula de hermenêutica (interpretação de livros sagrados) do quarto ano, na segunda-feira 12. “Não faço o curso com o objetivo profissional de ganhar dinheiro com o canudo nas mãos”, diz ele, de terno e gravata – e descalço. Com 30 anos, Maurício freqüenta um centro há dez e diz que compartilha no terreiro os ensinamentos da faculdade: “Quero dar sustentação ao que eu acredito. Não só praticar, mas entender os porquês.” No escritório de contabilidade onde ele trabalha, as pessoas, depois de um estranhamento inicial, já sabem que o colega não freqüenta a faculdade para se formar pai-de-santo profissional.
PÉ NO CHÃO Ao lado de um altar, alunos aprendem filosofia, antropologia e também a tocar instrumentos e preparar ervas para defumação
Ao todo, a FTU possui 150 alunos matriculados em quatro turmas. A mensalidade custa R$ 340. Todos os 15 professores possuem graduação em alguma faculdade convencional. Há, por exemplo, um livre-docente em engenharia de alimentos pela Unicamp e um professor de psiquiatria da USP lecionando na FTU – todos com ligações com a umbanda. Dos alunos, 99% são adeptos da religião. Criada no catolicismo e ex-seguidora do hinduísmo, Silvia Garrubo, 46 anos, é umbandista há dez anos. Formada em letras pela USP e coordenadora de um departamento no Instituto do Coração, em São Paulo, ela pensa, com o canudo em mãos, discutir políticas públicas e dar palestras.
Aprendo as várias linguagens desse grande guarda-chuva com várias hastes que é a umbada”, diz ela sobre a religião, que foi influenciada pelo espiritismo, catolicismo e por tradições africanas. Na semana passada, Silvia deu um grande passo para se tornar uma das primeiras teólogas umbandistas do País. Saiu-se muito bem no trabalho de análise crítica de livros umbandistas, apresentado por ela em uma sala, ao lado de um altar – e descalça.
FACULDADE VAI FORMAR PRIMEIRA TURMA DE TEÓLOGOS UMBANDISTAS
Felipe Lemos
domingo, 18 de novembro de 2007
2 comentários:
-
Brother, sua visão é a mesma que a minha. Eu acredito que há liberdade para cada um crer no que deseja, mas as oportunidades devem ser iguais para todas as crenças religiosas. No Brasil, admite-se oficialmente apenas o catolicismo e as religiões afro como se as demais (evangélicas) fossem esquisitas e estranhas. Talvez por aí estejamos vivendo realmente "dois pesoas e duas medidas".
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É interessante que quando se é sugerido a inserção de matérias voltadas à religião cristã nos currículos escolares ou o cultivo de práticas religiosas edificantes e moralmente importantes, as pessoas "descobrem" leis e políticas que anulem ou neutralizem esse tipo de prática, alegando a imposição de certas filosofias ou a violação da liberdade de pensamento. No entanto, muitas correntes filosóficas que têm se desenvolvido nos últimos tempos encontram espaço na sociedade, visto que suas idéias vão se adaptando às realidades das pessoas. Não falo aqui de adequar-se às necessidades, mas à inconstância e a modernização das doutrinas que, literalmente, se misturam com a cultura e a superstição de cada país. Dois pesos e duas medidas, pois tudo isso convém, posto que essas correntes filosóficas não afetam em nada na vida dos "seguidores". Afinal, qual o papel da religião na vida do ser humano: passatempo ou prática?