Empresas aceitam vigilância dos EUA: o que pode estar por trás?

domingo, 9 de junho de 2013

Da Folha de São Paulo, 09.06.2013.

As maiores companhias de internet reagiram mal quando autoridades do governo dos Estados Unidos foram ao Vale do Silício, na Califórnia, lhes cobrar meios facilitados para acessar dados de usuários, como parte de um programa de monitoramento. No fim, porém, a maioria cooperou ao menos um pouco com a Casa Branca.
Dentre as grandes empresas, o Twitter se recusou a colaborar, mas outras foram mais receptivas. De acordo com participantes dessas negociações, a lista das que aceitaram conversar inclui Google, Microsoft, Yahoo, Facebook, AOL, Apple e Paltalk. Elas foram legalmente requisitadas a compartilhar seus dados com base na Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (Fisa, em inglês).
Repassar informações em cumprimento à Fisa é uma obrigação legal, mas facilitar o trabalho do governo em obter dados não o é. Por isso, o Twitter pôde se recusar a cooperar de forma mais ampla.
Em pelo menos dois casos, no Google e Facebook, uma das propostas discutidas era criar uma versão digital dos escritórios onde as empresas guardam suas informações sigilosas, geralmente em grandes servidores. Por meio desses portais, o governo pediria os dados e as companhias os forneceriam.
Esses episódios se chocam com a posição oficial das empresas. "O governo americano não tem acesso direto ou uma porta dos fundos' para obter informação armazenada em nossos servidores", disse o executivo-chefe do Google, Larry Page, em uma nota divulgada anteontem. "Nós fornecemos dados de usuários ao governo apenas em cumprimento à lei".
Comunicados de Facebook, Microsoft, Yahoo, Apple, AOL e Paltalk seguiam o mesmo argumento. Mas, em vez de uma "porta dos fundos" para acessar os servidores, as companhias foram essencialmente requisitadas a fazer uma caixa postal fechada e dar a chave ao governo, segundo os envolvidos nas negociações. O Facebook, por exemplo, elaborou um sistema nesse formato para o pedido e a coleta de dados por parte das autoridades.
A existência dessas negociações revela como as companhias de internet, cada vez mais no centro da vida privada dos cidadãos, se relacionam com agências de espionagem, interessadas em seu vasto acervo de e-mails, vídeos, conversas on-line, fotos e conteúdos de pesquisa. O diálogo ilustra a forma intrínseca como governo e empresas de tecnologia trabalham juntos.
As negociações se estenderam nos últimos meses. O general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, foi ao Vale do Silício para se reunir com executivos do Facebook, do Google, da Microsoft e da Intel.
Apesar de que o propósito oficial fosse discutir o futuro da internet, as conversas também abordaram como as companhias poderiam colaborar com o governo em seu esforço de coletar dados para operações de inteligência.
Cada uma das nove companhias que tiveram suas bases de dados interceptadas pelo governo afirmou que não tinha conhecimento de um programa da Casa Branca destinado a tal tarefa.
VIGILÂNCIA EM ALTA
Os pedidos com base na Fisa podem variar de solicitações sobre um usuário específico a uma vasta gama de dados, como um acervo de pesquisas sobre um determinado termo em mecanismos de busca. No ano passado, o governo fez 1.856 requerimentos amparados nessa lei, um aumento de 6% em relação a 2011.
Num caso recente, a Agência Nacional de Segurança (NSA) se valeu da Fisa para enviar um agente à sede de uma empresa de tecnologia para monitorar um suspeito de um ciberataque, de acordo com um advogado da companhia. O oficial instalou um programa do governo nos servidores e trabalhou no escritório por várias semanas, transferindo informações para um laptop da NSA.


Meu Comentário - Esse precedente aberto nos EUA é sintomático. No momento em que oficialmente se noticia que um governo consegue acesso a dados dos cidadãos, acende um alerta para o controle sobre a vida e o próprio direito à individualidade. Não se trata apenas de se falar sobre questões relacionadas à segurança nacional, mas do uso político dessas informações. Quem pode garantir que o governo norte-americano e outros - que depois podem aproveitar esse exemplo e também solicitar o mesmo- utilizarão os dados exclusivamente para finalidades de identificar criminosos?
O risco de se dar acesso irrestrito aos governos de dados de pessoas físicas é a intenção que pode nortear essa vigilância. Ninguém estará a salvo de interesses comerciais, ideológicos e até religiosos para se fazer uma devassa nos dados online que, em primeira instância, deveriam pertencer apenas a quem é dono dos perfis e contas de e-mails e redes sociais. Evidentemente que, na hipótese de suspeitas fundamentadas de crimes, não deve haver impedimentos legais para se buscar essas informações. 
Mas será que o bom senso vai prevalecer? Quem vai controlar isso?
Hoje há perseguições realizadas por motivos comerciais, ideológicos e religiosos em todo o mundo. Quem tem acesso a dados estratégicos pode, com muita facilidade, impedir que um determinado grupo de pessoas, por exemplo, continue a se reunir em liberdade por não ter necessariamente o mesmo pensamento do governo vigente. E o pior: isso poderá ser feito em nome do combate ao terrorismo e em favor da segurança nacional.
Uma das premissas do ser humano, inclusive, amparada biblicamente, é a liberdade de crer ou não crer e do livre pensamento. Esse passo dado nos EUA é um risco indireto para essa liberdade. 

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