Revista IstoÉ, Primeira semana de janeiro de 2013
Ainda não foram produzidas estatísticas capazes de medir o universo do fiel-internauta que procura Deus com o auxílio de um intermediário tecnológico. A rápida disseminação dessa prática entre católicos e evangélicos, porém, é visível e tem pautado estudiosos em comunicação religiosa. Somente nos dois últimos meses, quatro obras que investigam o tema passaram a ocupar as prateleiras do País. Autor de “E o Verbo Se Fez Bit”– a Comunicação e a Experiência Religiosas na Internet” (Editora Santuário), Moisés Sbardelotto verificou uma revolução ao pesquisar como se dava a manifestação religiosa em quatro sites católicos brasileiros. De acordo com ele, o fiel se transformou em coprodutor da própria fé, enquanto a Igreja, em vez de exigir obediência estrita, passou a conceder uma autonomia regulada e permitir, de certa forma, que um membro construa sua própria religiosidade.
Foi o que fez a católica Dulce Ponciano, 59 anos, da cidade de Governador Valadares (MG). Vivendo a cerca de três mil quilômetros de distância do santuário do padre Manzotti, ela criou um perfil no Facebook no ano passado, para interagir com esse sacerdote. Mas se viu, também, solta para dialogar sobre a sua religiosidade, inclusive com pessoas de outras denominações religiosas. Pela internet, então, Dulce ouve o programa de rádio do padre Manzotti ao mesmo tempo que posta as orações. Quase simultaneamente, seus textos são comentados pelo grupo de oração virtual criado por ela, composto por cinco mil membros. “Agora, posso expressar a minha fé de uma maneira mais livre”, diz. “Na igreja, a gente participa, mas não interage. Já a internet é uma grande catequese, uma sala de aula onde a gente debate e aprende.”
Essa desregulação social que marca os espaços disponíveis na rede coloca o fiel-internauta em contato com pessoas de diversas crenças, o que ocorreria em menor grau se ele estivesse dentro de uma igreja física. Está aí o ambiente perfeito para a pluralização religiosa. Sem a vigilância eclesiástica presente, aqueles que preferem não assumir compromissos institucionais com alguma denominação e querem crer sem pertencer se sentem em casa. Outro dado marcante desse novo modelo de vivenciar a fé: a possibilidade de o fiel se expressar de forma anônima via internet permite ao usuário confrontar posições de um líder religioso – ali, em forma de avatar – sem cerimônia, com audácia e coragem. A internet dá poder ao fiel perante as religiões. “No geral, uma denominação não fideliza o devoto por meio de rituais religiosos virtuais”, afirma José Rogério Lopes, da pós-graduação em ciências sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). “Mas essas ferramentas são essenciais para a manutenção diária dos rebanhos.”
Padre Souza, do portal A12 de Nossa Senhora Aparecida, não acha que uma pessoa possa se satisfazer apenas com o consumo da religião pela internet. Mas há os que estreitam a relação com uma denominação religiosa depois de exercitar a fé no mundo virtual. Terapeuta pedagógica, a católica paulista Lourdes Santana, 47 anos, voltou a frequentar uma paróquia nas proximidades de sua casa após passar a acender velas, participar de novenas e escutar programas no ciberespaço. “Pela internet fortaleci a minha religiosidade”, diz ela, que agora vai à missa todos os domingos.
A evangélica paulista Amanda Santos frequenta a igreja Renascer em Cristo há oito meses. Fisicamente, faz isso toda quarta-feira e domingo. “Ir à igreja é necessário porque é lá que você ouve a voz de Deus”, diz ela, que é designer digital. Virtualmente, Amanda assiste às celebrações diariamente. “Enquanto trabalho, faço download de cultos no site e ainda envio as pregações para outras pessoas.” Aos 22 anos, Amanda também consegue se comunicar com líderes da Renascer via Facebook e SMS, quando precisa de alguma orientação espiritual para um assunto que a angustia. Ela não é a única que se utiliza de instrumentos desse tipo. Uma pesquisa recente mediu o alcance dos ambientes digitais a serviço da fé dos brasileiros. Depois de ouvir duas mil pessoas em oito países, o estudo, que investigou os hábitos dos usuários de dispositivos móveis e foi encomendado pela empresa de tecnologia Intel, apontou o Brasil como o lugar onde mais se discute religião por celular e tablet.
Os brasileiros lideram o ranking com 39% dos entrevistados, seguidos de australianos (8%), franceses (3%) e japoneses (1%). Ciente, portanto, de que precisa divulgar o evangelho também no mundo digital, até o papa Bento XVI, que tem o hábito de escrever à mão seus discursos e outros documentos, inaugurou este mês a sua conta no Twitter. No ano passado, ao passar a emprestar iPods aos peregrinos que visitassem a Basílica de São João de Latrão, o Vaticano já havia dado outro passo para se aproximar daqueles que se valem de recursos tecnológicos. Por meio de um aplicativo disponível no aparelho, o fiel passou a ser guiado de forma digital pela catedral da Diocese de Roma, considerada a mãe de todas as igrejas do mundo. Atrair a comunidade jovem seria uma das intenções desse novo recurso. Assim como fez o papa, que agora é seguido por mais de 1,2 milhão de pessoas no Twitter. Essa atitude do pontífice, porém, soa mais como uma mensagem de sintonia da Santa Sé com as novas tecnologias do que como uma estratégia de mercado, segundo o professor Airton Jungblut, da pós-graduação em ciências sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Para ele, mais do que procurar Jesus na internet, o fiel-internauta busca se sociabilizar para discutir os pontos de sua fé com outras pessoas, informar-se e dar sentido ao que crê.
Matéria completa em http://www.istoe.com.br/reportagens/262830_JESUS+ONLINE
Meu comentário - Tenho acompanhado de perto o crescente uso da web pelos membros de igrejas e considero importante entendermos que há um lado muito favorável do uso das ferramentas tecnológicas para o culto e adoração e outro negativo.
O ponto positivo é que as ferramentas como a web em toda a sua abrangência (sites, portais, redes sociais, aplicativos para conversação instantânea,etc) atraem pessoas a Deus e à Bíblia que, da maneira convencional, não seriam alcançadas com tanta rapidez e eficácia. Os jovens de determinada faixa etária estão nesse contexto. Na web, com materiais e acessos adaptados a sua linguagem, a religião de modo geral pode se tornar mais palatável para esse grupo. O fato de fugir do convencional que atende a um outro determinado tipo de público é uma das principais características da web no atendimento a membros ou pessoas que buscam conhecer mais sobre religião, Deus ou a Bíblia Sagrada.
Experimentei já a participação em campanhas pela web com jovens e vi que o retorno é muito bom, pois, inclusive, nesse ambiente virtual há possibilidade de eles exporem mais suas dúvidas e participarem efetivamente das discussões, o que é saudável para uma fé racional e sólida.
Por outro lado, no entanto, o alerta é quanto ao perigo de se transformar a religião ou mesmo Deus em algo apenas virtual, distante, banal e que pode ser "coisificado", para usar uma expressão de gente como Bauman que estudam a questão do consumo. O desequilíbrio, para qualquer um dos lados, é sempre nocivo. Ignorar a web e sua importância na fé das pessoas como instrumento de apoio é errado. Mas transformá-la em um fim em si mesmo é outro erro.
Aqui falo de um instrumento estratégico e com bons resultados. Mas é um instrumento. Tentar torná-lo mais importante do que o contato convencional com Deus por meio da oração ou da Bíblia por meio da leitura, que para mim são basilares na comunhão eficaz, não faz qualquer sentido também.
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