PORTUGAL APROVA DESCRIMINAÇÃO DO ABORTO

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Folha de São Paulo, 12.02.2007.

Em um referendo marcado pela abstenção de mais da metade dos eleitores, os portugueses que foram às urnas ontem decidiram a favor da descriminação do aborto no país. A opção obteve mais de 59% dos votos, o equivalente a 2,2 milhões. Como a abstenção foi de 56% -o voto era facultativo-, o resultado não tem valor jurídico. Era preciso que mais da metade dos 8,9 milhões de eleitores tivessem votado para que a implementação do resultado do referendo fosse obrigatória.Seu impacto político, no entanto, deve levar à aprovação da nova lei, que libera o aborto até a décima semana de gravidez, em estabelecimentos de saúde.A grande diferença de votos a favor da descriminação (59,25% contra 40,75%, considerando o total de votos) levou o governo português a reafirmar que seguirá a vontade da maioria dos votantes, independentemente do índice de abstenção.
"O povo falou, e de forma clara", disse o premiê José Sócrates. "Batemo-nos pela mudança da lei, mas sempre com o compromisso de o fazer através de uma consulta popular."Sócrates assegurou que "a vontade do povo português" será respeitada e que o aborto "deixará de ser um crime".Pela legislação portuguesa em vigor atualmente, uma das mais rígidas da Europa, o aborto -salvo em casos especiais, como estupro ou risco à vida da mãe- é crime punível com até três anos de detenção para a mãe e até oito anos para quem realiza o aborto.A mudança da legislação precisa agora ser aprovada pela Assembléia da República e, depois, promulgada pelo presidente Cavaco Silva."Os portugueses afirmaram de forma livre e democrática suas convicções", afirmou Marques Mendes, presidente do Partido Social-Democrata (PSD), o mesmo do presidente Cavaco Silva."A maioria votou sim, e, apesar do referendo não ser juridicamente vinculativo [de adoção obrigatória], a vontade da maioria deve ser respeitada."
Um total de 3.851.613 votantes foi às urnas para responder, segundo a cédula, se concordavam "com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado".Deste total, 2.238.053 escolheram o "sim" (58,11%) e 1.539.078 (39,96%) optaram pelo "não". Os votos em branco foram 48.185 (1,25%) e os nulos, 26.297 (0,68%).Foi a segunda vez que Portugal teve um referendo sobre a despenalização do aborto -na primeira, em 1998, o "não" venceu por pequena margem, com 50,9%. Na ocasião, as abstenções somaram 68,1%.Os derrotados partidários do "não" ficaram divididos sobre uma contestação imediata à eventual aprovação da lei que descrimina o aborto.A ex-deputada do PSD Isilda Pegado, presidente da Federação Portuguesa pela Vida, afirmou que os eleitores que se abstiveram "também manifestaram a sua opinião" e que, por isso, a lei não deveria ser modificada para permitir o aborto.Já o presidente do conservador Partido Popular, José Ribeiro e Castro, afirmou que seu grupo estava triste, mas sereno."Nosso sentimento é de mágoa, por vermos vencer uma linha de indiferença perante à vida humana", afirmou. "Mas também estamos serenos, por termos deixado clara nossa posição e termos agido com equilíbrio."

2 comentários:

  1. Filipe Reis disse...:

    Meu irmão Felipe,

    Sou Filipe Reis, 31 anos, membro da Igreja Adventista de Pedroso, no norte de Portugal.

    Esta notícia está escrita de forma muito rigorosa. Para consulta de todos os resultados, pode consultar http://www.referendo.mj.pt/

    Faltou referir, não sei se propositadamente, que o nosso Primeiro-Ministro pertence ao Partido Socialista, e que as restantes forças políticas de esquerda (Partido Comunista e Bloco de Esquerda) foram massivos apoiantes do 'SIM'. Isto, não deve ser surpresa. EM relação às forças de direita, o PSD esteve pelo NÂO (sem ser vinculado) e o CDS-PP pelo NÂO (declaradamente).

    Ao seu cuidado deixo os seguintes dados:
    - o NÂO venceu nas áreas onde há menos jovens
    - o SIM venceu claramente nas cidades mais importantes e secularizadas

    Apesar da abertura legal à realização do aborto, algumas clínicas recusaram-se desde já a introduzir esta valência nas suas instalações. Algumas empresas espanholas (onde o aborto livre é legal há muito tempo, à semelhança de quase todos os países da Europa, excepto Polónia, Malta e Portugal) já estão com planos de virem para Portugal.

    Saiba que na Europa, os primeiros países a legalizarem o aborto foram a extinta União Soviética (socialista) em 1920, logo seguida da Alemanha (nazi) em 1935. Os últimos "resistentes" foram aqueles com forte prsença católica.

    Cumprimentos cristãos.

    Filipe Reis

  1. Felipe Lemos disse...:

    Filipe!
    Muito obrigado por seu comentário. Foi enriquecedor!
    A referida reportagem foi publicada pela Folha de SP, mas nada melhor do que alguém que vive em Portugal para esclarecer alguns pontos.
    Publiquei a notícia para mostrar como anda essa questão do aborto no mundo.
    Segundo o livro "Declarações da Igreja" (original em inglês Statements, Guidelines & Other Documents), de 2003, na página que fala de aborto, a posição oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia deixa a questão para decisão pessoal, mas, à página 118, é dito que "a igreja não deve servir como consciência para o indivíduo; contudo, ela deve oferecer orientação moral. O aborto por motivo de controle natalício, escolha do sexo ou conveniência não é aprovado pela igreja. Contudo, as mulheres, às vezes, podem deparar-se com circunstâncias excepcionais que apresentem dilemas morais ou médicos, como: ameaça significativa à vida da mulher gestante, sérios riscos à saúde, defeitos congênitos graves cuidadosamente diagnosticados no feto e gravidez resultante de estupro ou incesto. A decisão final quanto a interromper ou não a gravidez deve ser feita pela mulher grávida após o devido aconselhamento".
    Essa declaração é baseada em voto da Comissão Executiva da Associação Geral de 12 de outubro de 1992 tomado nos EUA. Desconheço novo documento acerda disso.

    Continue comentando meu irmão!

Postar um comentário

 
Realidade em Foco © 2011 | Template de RumahDijual, adaptado por Elkeane Aragão.